terça-feira, 2 de junho de 2009

faces e fases


O ar suportava um cheiro de terra molhada com sabor de ventania, gotinhas delicadas faziam o percurso no quintal e de forma prolixa enxergava as cores, os contrastes, os movimentos. Enquanto a chuva não crescia, minha agonia aumentava sem sentido. Um dia como aquele era ótimo para ficar parada de forma estática observando só os detalhes e a melancolia do céu cinza refletindo nas pequenas poças, porque se pensasse na vida e nas injustiças colaboraria muito com minhas outras angustias. O meu descaso trazia canseira. A canseira de não ter o porquê de se cansar, ou por quem. O descaso de ser cansada pela mesmice dos dias, e não pelo apavorante leque de emoções que eu desejava.
Os chuviscos insistiam em cair e o sol agradável obrigou-se a se esconder, a buzina do sorveteiro tilintava em meus ouvidos, formava-se uma sinfonia de grandes ilusões e como se fosse um alarme esse som não se desvairava. Meu desejo era que minha trilha de desencantos partisse ao meio e parasse de apontar que eu só encontraria minha felicidade sozinha, porque sozinha eu estava solitária demais.
Minhas lembranças se interceptavam com a chuva, avistei no jardim um casulo resistindo á aquelas gotas grossas. Em meio há tantos lapsos de memória fechei os olhos e busquei na minha mente episódios da infância; encontrei um dia que os contrastes eram parecidos, as janelas, a arvore e o quintal também, o detalhe é que eu diferenciava as datas, porque quem me habitava era um olhar inocente que quis salvar um galho que tinha uma borboleta na fase da crisálida e cuidar para que quando estivesse pronta á visse voar, retornando a liberdade e encontrando a felicidade. Senti pena e desconfiança: pena da lagartinha ficar encolhida dentro daquela casinha e desconfiança de que ela realmente estaria viva, imóvel e solitária em sua própria casca. Como poderia alguém sobreviver triste, sozinha e parada em si mesmo?
Se pudesse me transformar em uma borboleta teria um critério: pular essa fase, mas consequentemente ficaria sem asas, de modo que, parece que para ser feliz precisamos passar por processos tristes. Os seres humanos também passam por crisálidas; eu estou, por isso que tudo que insisto em fazer não acontece, porque no fundo estou presa porque eu aceitei me prender. Meus sorrisos forçados, minhas palavras obrigadas e minhas desculpas de mudança de humor são conseqüência, mas sei que se ainda não aprendi a sonhar é porque não estou pronta, as borboletas tem corpos leves e asas largas para poderem voar alto.
Mas naquele tarde ingênua de lembranças atenuadas um medo me dominou e rasgou meu brilho; o medo de não passar daquela fase, porque quando menina minha primeira impressão do mundo foi quando o casulo que cuidei se abriu, e a borboleta não voou porque estava morta.



mais um, para meu professor de redação.

Um comentário:

  1. só digo que estou orgulhosa e feliz por você, cada dia melhor.
    adorei e, como a muito tempo nao fazia, fiquei comovida.
    chorei :/

    ta perfeito. amo você minha bést!
    saudade, ♥

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